quinta-feira, 17 de julho de 2008

mais uma sextina, desta vez é a do jaime medeiros jr

algo de sentimento mal-quebrado meio mar
meio sal extemporâneos de visgo verde-musgo
deitam-se contigo cancelizam-se dentro ao jogo
furtivo do rompe-ciclos fazem-se e permitem-se ser algo vida
que mesmo malbaratada são pois algo feito pedra
nasce sob a face do esquecimento algo pra além do arrependimento

algo simples algo chão que se nos destampa o arrependimento
contrito de tanto conhecer-se atônito de tanto te querer vira mar
grande mar pra além do mar re-sentindo-se ao saber-se vida
vida que comporta-se algo torta pura e imprecisa jogo
que coabita em todo o lugar rastro incerto na água do prende-musgo
dando-se ao desejo de ser algo mais que do que é pedra

mesmo que feita de incerteza mesmo que esquecida pedra
é o que é e no torvelinho do desespanto a lua feito vida
come horas cansadas horas partidas rompidas de arrependimento
brando e branco feito olhos que se desreinventam no fim do jogo
perene da sorte crescida e vertida em tão somente seco musgo
e contudo algo de sol – solinho – inda quer se acordar por sobre o mar

domingo, 29 de junho de 2008

sarau dos imprecisos




Sextina de Erika Almeida

Incessante expulsa a vida
Do amontoado arremessa a pedra
Cria neste instante o abismo do jogo
Saída de emergência escorregadia como o musgo
No patíbulo o destino sem nenhum arrependimento
Páginas em branco afogadas no mar

Transpondo altas espumas desse mar
Trança ensurdecida nas ondas da vida
Gemidos se agarrando na borda do musgo
Fugindo, fugindo das regras do jogo
Impossível amarrar o laço à pedra
Como desarmar o temor, o arrependimento?

Da sina dos que ficam brota o arrependimento
A algema das algas pesa como pedra
Resistir a esta força não tão visível é o jogo
Deportar a razão, tornar-se musgo
Deixar-se a deriva, sem ser vencido, é vida
Enquanto contempla o destino dança no mar

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Receita

Se fluir inspiração
concentre idéias
formule frases

divida em palavras
um infinito qualitativo
[ é a chave]

sirva-se de sinônimos
fala igual
mas diferente

acrescente metáforas
(se precisar entre parentes)
fica lindo

raciocínio ao quadrado
não se perde em cantos

subtraia fatores
simplifique




o resto é poema.





Sinara Marques

domingo, 15 de junho de 2008

Sobre Renga


O RENGA é um tipo de diálogo cantado e uma espécie de divertimento folclórico em que se misturam os elementos lírico, cômico e satírico. Surgiu no início do século XII, apreciado pelos poetas da corte e sociedade aristocrática de então.
A composição de haicai como é praticada hoje, é resultante do “haicai do renga” (ou tanka), muito usada antes de Bashô. Era um poema coletivo, em que um poeta compunha a primeira estrofe (hokku), um terceto com 5-7-5 sílabas (ou sons). Em seguida, outro poeta compunha a segunda estrofe, um dístico de 7-7 sílabas (ou sons). Assim cada poeta que chegava escrevia um dístico de 7-7 sílabas, após um (hokku), atingindo a centenas. Levavam anos para completar o poema. Bashô, século XVII, fez escola e consolidou o haicai, essa poesia essencialmente sintética muito popular no Japão.

Renga

overdose de ovo
mundo mal vazando-se
doce-terno
vem

clara ânsia
válvula de escape
compulsão em doses enfáticas

estratagema
de fastio
inexistente

duas faces
sopro cósmico
de fecunda felicidade

Tédio
jaula de ar
barco preso na calmaria

Arrebentação em nós
resquícios de um tempo
nas pedras do cais

casca do tempo
azoto de ovo cru
Grão ducado do castelo do pântano

sábado, 14 de junho de 2008

Apenas para quem escreve,lembro as palavras da poeta e amiga Ana Mariano que um dia citando Drummond me disse:"Penetra surdamente no reino das palavras,lá estão os poemas que esperam ser escritos.Estão paralisados,mas não há desespero ,há calma e frescura na superfície intacta."


2 POEMAS RECENTES DE ANGELA WARLET

ROLANDO

Frágil âncora de ossos e sofrimento
dobrada em tristes raízes
pequena pedra,coisa pensante
fragmento de um tempo
vivo de um sonho


Na nave mágica
Universo a desvendar
relevos,praias distantes
sutil forma

Tudo tão fulgurante
imenso mundo
na úmida areia
no limiar de um cais.


( angela warlet )




SEMPRE

Nunca te senti inteira
desde que nasci procuro-te
tempo, vida
matiz de dentro

Tua garra
desfolhando os dias
tecendo passos de sonhos
alvorecendo ilusão

Esperança
minha, tua
ponta dos dedos,pulsão

A rasura do texto
coagulada emoção
vestida em capuz de cego
até quando?


( angela warlet )











quinta-feira, 12 de junho de 2008

4 poemas de berenice sica lamas



Alguns dos poemas realizados por Berenice Lamas neste secundo módulo da nossa oficina virtual. Diálogo Brasil/Itália. Férias. Recomeçamos em julho.

tratado


ao contrario da pesantezza, a leggerezza

a tênue suave leggerezza
a rarefeita vaporosa leggerezza

o colibri trêmulo no ar
a pluma desenhando palavras
o grão de areia que escapa na ampulheta
Calvino pensa o profundo das idéias
a gota borrifa o patamar da janela
o vapor se desprende do café quente
a musselina envolve a pele o corpo
a pétala tombando na terra
a neve sobre os campos
a bailarina salta música acima
a migalha teimando em não cair do lábio
o exalar do suspiro e sua dor
o tremor concêntrico n’água à beira do lago
o aroma do cravo branco gotejando à brisa
abelha e corola em estado de pólen
a literatura exsuda na página

ler leggere leggerezza o ato da leitura
contido na leveza (mas somente no italiano)
forte leveza, leve e pesada
leggere com lentezza puntuale

calas em minhas palavras
il silenzio può essere leggero
o pesante

* * *

peixe de cera derretida
amolecida
maleável aos dedos
peixes de cera
água pelo pescoço
força das ondas
corpos de cera

peixes de cera
esculpidos a dedo a ossos
de joelhos
delicadeza de um peixe de cera
desamparado
mas emplumado
guelras escamas
olhinhos esbugalhados
tudo bordado em cera cor bordô escuro

festas ruas e corpos
muros coágulos de névoa
gatos fumaça caras
despedaços de mim

e esse peixe de cera,
sempre
um peixe em estado de dissolução

* * *

homens sólidos e frágeis
débeis e densas mulheres
suor salgado dos trabalhadores
(palavras despencadas)

caverna ou dar cara à brisa?
os brincos de princesa pendem
são colhidos pela retro-escavadeira
confundidos com lixo-veneno que se expande
(palavras desmoronadas)

pássaros e gatos voláteis
um mundo desumano pleno de
profunda tensão
lâmina língua laços e aragem
(palavras desesperadas)

carnaval de açúcar no canavial
balança ao vento a plantação
e no balanço da exportação
espessa escuridão

no atravessar do dia
ar, ar, ar e ainda mais ar
e o agridoce fio a tecer,
(palavras exasperadas)
trêmulo como um desenho
escapa para o profundo das idéias

* * *

uma cidade me queima a alma uma cidade me prende me cheira me bate me vira a cara me repele porque é gorda (grassa) vermelha (rossa) e culta (dotta) e ainda capital da musica arpejos solfejos sustenidos bemóis falanges falanginhas falangetas caminho na ponta dos pés bailarina sem sapatilhas flutuo entre suas cores terrosas e ocres entre seus pórticos e colunas, às vezes pórticos e colunas me pesam n’ alma. Arqueologias, visões, transfigurações modernas. De que adiantam a gastronomia e a riqueza, as idéias de esquerda e a universidade antiqüíssima? Grafites vândalos emporcalham tua paisagem, pedintes pelas ruas, laureados sem trabalho, imigrantes explorados, assaltos, escritórios burocratizados. Cidade esférica, mapa redondo, circundam as ruínas do muro medieval, “portas” de majestade, construções medievais. Expressão artística e linguagem. Complexidade, voragem, vertigem, veludo pedra teia de aranha, ruas estreitas, fios, ângulos, cicatriz vazia, uma cidade que suspira, solitária. Indolente. Apesar dos trens, ônibus e aviões.


cidade que não compreende, plena de imagens, venal faz mal, mensagens em contradição, não adianta escavar que a criatividade evapora, kitsch, sob o manto das tradições, te desvendei, cidade. Todavia és ainda cheia de mistérios. Um dragão de palha e areia, quero descobrir teu coração, se o tiveres. Teus detalhes singulares. Sob a pele, subterrâneos, trevas, ruínas, belezas de uma recôndita antiguidade.


uma cidade me engolfa, fascina, amarga e agridoce, me desestabiliza e redesenha a identidade. Sibila em meus ouvidos e me conduz pela mão. O fio de minha vida e as ruas de meus passos. Uma cidade coagulada, pingo e nó de mercúrio no centro norte do pais. Viajora. Me faz poeta. Não habito nesta cidade.

berenice sica lamas maio/junho 08

quarta-feira, 11 de junho de 2008

ESSÊNCIA


Sinto no ar um perfume
que me devolve a infância
refletindo na alma a menina de outrora
o gosto cheiroso do café moído da antiga fábrica
percorrendo o ar em movimento

Espalhando o aroma em deliciosa bruma
por toda a cidade...
nas papilas,na língua a sensação de prazer
deleite de um tempo adormecido

O regresso à escola,amigos,colegas,professores
aquele entusiasmo com a merendeira
o uniforme,o sapato e a pasta
exalando o cheiro de couro e caderno novo
o estojo com lápis coloridos...

Que delicia este mundo
de tantas sensações ,aromas e cores
o prazer de misturar as tintas
pintar ou simplesmente sujar os dedos
escrever um nome ,riscar, rabiscar

Brincadeiras singelas
devolvendo o sentido à vida
prenúncio de uma nova estação
como a folha de outono a voar pelo jardim
tempo que fluía a vida

Oscilação de outrora flutuando nas tardes
nas noites tecendo sonhos
ao alvorecer suavizando os traços
gris e tristes da próxima estação.

(Angela Warlet)

terça-feira, 10 de junho de 2008

RESQUÍCIO

Lá fora a chuva
cá dentro a correnteza
rio intumescendo as veias
pulsando a cada segundo

Descompassada emoção
vazante na alma
liquefazendo o instante
alucinação


Memória da pele
maresia
ar de sargaço
absorvendo a dor

Na imprecisão do momento
ondulações de um tempo
quebrando a rocha da saudade.



( Ângela Warlet )




CÁLICE II


Esse frêmito

impulso
labareda na relva escura
irradia-se em nuvens
na estrada sinuosa de meu corpo


Cristalino sentimento
transborda no cálice
o gosto
exalando o aroma

Pactuo com as horas
eternizando o momento
fusão
ao roçar da chama em teu cerne

Botão
seiva fluindo
irrigando
este solo arável em nós

Simbiose de desejo
transpondo estações
a centelha
marca lavrada

amor.


(Ângela Warlet )



sábado, 31 de maio de 2008

um poema a dez ou doze mãos feito em 5 minutos


fruto da manhã
stela
alba posta em ramos

espera por ti

conjunto sideral

o mosaico de estrelas
concêntrica luminosidade
desiderato
destino em vórtices,formas, signos vãos
sortilégios gravados
na escuridão do infinito

solta no espaço

nem sempre
teu fino brilho
tem seu lugar

balburdia

ouço vozes
silêncio
balbucios
buzina alerta

o tempo corre

um olhar em vigilia

vago
vazio de desejo
vara a noite
insone
inquieto
desassosegado


sábado, 24 de maio de 2008

exeperimentos com a meia sextina

SEXTINA É um poema de forma fixa inventado no século XII,provavelmente pelo trovador Arnaut Daniel. A sextina éum espécime típico do know-how poético da Provença. A forma da sextina se caracteriza por uma “magreza” de expressão no que respeita aos recursos disponíveis aopoeta. A extrema limitação de meios e a estrutura recorrente, criam uma série de desafios a imaginação do poeta.
Vejamos: a sextina ortodoxa dispõe-se em seis estâncias de seis versos (aqui experimentamos apenas três estrofes, por isso a "meia sextina" do título) e um terceto final, espécie de envoi. Os versos terminam não em rimas propriamente ditas, mas em palavras-rima que obedecem a uma distribuição padronizada: a última palavra-rima de cada estância se repete no final do primeiro verso da estância seguinte. As palavras derradeiras dosversos da primeira estância recorrem, noutra ordem, sempre no fim das demais estâncias.

1

Quando a morte tocar a vida
Fará deslocar a pedra
E mudará o rumo do jogo
Do corpo inerte, coberto de musgo
Sobrará arrependimento
E buscará o caminho do mar

Quando a noite mergulhar no mar
E não encontrar nem vida,
Nem corpo, nem musgo,
Mudará o revés do jogo
Destruirá de vez com a pedra
Dogmática do arrependimento

E sem mais arrependimento
Libertará a alma da pedra
Mudará o resto do jogo
Livrando-a também de todo o musgo
Aí sim, alcançará a vida
Quando o dia mergulhar no mar

(Sinara Marques)
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2

volta e meia revôlta vida
caminho marcado a pedra
troca, veia e jogo
verde, terra e musgo
as costas vincadas do arrependimento
funduras azuis de mar

nas azuis funduras do mar
como sói acontecer na vida
às vezes se encontra o musgo
colado aos dados do jogo
outras vezes se acha só pedra
ou frágil taça breve de arrependimento

se sorvo o quanto do arrependimento
rolando na vida feito pedra
sorte e azar figuram no jogo
me esparramar aprendo, feito musgo
escorrendo pelos caminhos da vida
vai e vem, ondas do mar

(Deisi Beier)

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3

É tarefa de toda uma vida
Sermos em tudo diferente da pedra
Mais do que a consciência o desejo conduz o jogo
Resvalando na sua escorregadia fluidez de musgo.
Estamos a todo o momento refém do arrependimento
Prestes a ser engolido pelo mar.

Cambiante e fluida a imagem do mar
Trágica e épica como a Vida
Ora sombrio e traiçoeiro como musgo
Ora, como parte de um indecifrável jogo,
Som e fúria de suas ondas no ar e na pedra
Fonte de dores, amores e arrependimento.

Libertar-se das cadeias do arrependimento
Sair da posição catatônica de pedra
Não é tudo, mas é parte importante do jogo.
Tropeçar na pedra drumondiana, resvalar no musgo
E levantar para continuar a trajetória de uma vida
Que os poetas procuram, bem ou mal, emoldurar com a imagética do mar.

(Jorge Alberto Benitz)

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4

pensamentos cheios de vida
um caminho uma pedra
brinca o tempo suave jogo
brisa calma de verde musgo
arrepio pende sem arrependi mento
mergulho inteiro eu só o mar


tranqüilo inquieto lambe o mar
te observa a vida
estende a mão sobre o lado musgo
doce menino não conhece o jogo
fria pedra arre pendi mento


sem nenhum arrependimento
rola o tempo rola a pedra
viciou-se sentir musgo
renasce quase morta a vida
reflete puro o mar

(Jackeline Gay)

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5

Na descoberta da vida
Sigo o destino da pedra
Desafio num jogo
Onde o musgo
Do tempo do arrependimento
Foi sepultado no mar



Navego por este mar
Que me devolve à vida
Tento extrair a tempo o musgo
Com passos seguros como num jogo
Para não escorregar na pedra
Obscura do arrependimento



Chega um tempo sem arrependimento
Talhado na pedra
Teu nome faz parte do jogo
A rolar soltando o musgo
Temporário da vida
No fundo do mar.


(Ângela Warlet)

domingo, 20 de janeiro de 2008

Poemas de Berenice Sica Lamas

paisagem em preto e branco, Rosa Marques verbavisual


O curso A precisão do Impreciso tem agora a sua versão virtual. A poeta Berenice Sica Lamas, desde a Itália, faz oficina comigo. A experiência está sendo bastante interessante, e como pequena amostra deste nosso diálogo, aí vão alguns poemas inéditos da autora de Ampulheta (2007,http://www.casaverde.art.br/):



Terça


cortinas vermelhas
filtram a
claridade do sol
através de antigos vidros

o quarto é banhado
de delicado rosado

eu, que prefiro tons
azuis verdes violetas

me perco
nesta floresta
cor-de-rosa


Quarta

Carissima
sou linha ininterrupta
interrompida
desculpa a cara fechada
continuo verde e violeta
livros se acumulam e eu me despedaço
um pouco aí, um pouco cá
porem com dois pés na terra
aliás, a terra aqui também não vai bem
de saúde
n’água peixes morrem
uma coisa é certa: esqueci os desafetos
é mais saudável para o fígado
inquietude desassossego
presentes no cotidiano
de minha cadeira vejo o mundo
hoje não tenho conselhos
esta fazendo um ano que cheguei
a outro centro de gravidade
saudade de nosso céu
beijos
Arcobaleno


Quinta



crianças se revoltam
no parquinho
lutam para se livrar das mães
opressoras

passantes cumprem seu papel e
passam
pássaros não voam às estrelas
na tosca aldeia

e o pinheiro
adentra galhos
ao shopping
dio mio, árvores
aderindo ao consumo?

Berenice Sica Lamas, 2008