quinta-feira, 12 de junho de 2008

4 poemas de berenice sica lamas



Alguns dos poemas realizados por Berenice Lamas neste secundo módulo da nossa oficina virtual. Diálogo Brasil/Itália. Férias. Recomeçamos em julho.

tratado


ao contrario da pesantezza, a leggerezza

a tênue suave leggerezza
a rarefeita vaporosa leggerezza

o colibri trêmulo no ar
a pluma desenhando palavras
o grão de areia que escapa na ampulheta
Calvino pensa o profundo das idéias
a gota borrifa o patamar da janela
o vapor se desprende do café quente
a musselina envolve a pele o corpo
a pétala tombando na terra
a neve sobre os campos
a bailarina salta música acima
a migalha teimando em não cair do lábio
o exalar do suspiro e sua dor
o tremor concêntrico n’água à beira do lago
o aroma do cravo branco gotejando à brisa
abelha e corola em estado de pólen
a literatura exsuda na página

ler leggere leggerezza o ato da leitura
contido na leveza (mas somente no italiano)
forte leveza, leve e pesada
leggere com lentezza puntuale

calas em minhas palavras
il silenzio può essere leggero
o pesante

* * *

peixe de cera derretida
amolecida
maleável aos dedos
peixes de cera
água pelo pescoço
força das ondas
corpos de cera

peixes de cera
esculpidos a dedo a ossos
de joelhos
delicadeza de um peixe de cera
desamparado
mas emplumado
guelras escamas
olhinhos esbugalhados
tudo bordado em cera cor bordô escuro

festas ruas e corpos
muros coágulos de névoa
gatos fumaça caras
despedaços de mim

e esse peixe de cera,
sempre
um peixe em estado de dissolução

* * *

homens sólidos e frágeis
débeis e densas mulheres
suor salgado dos trabalhadores
(palavras despencadas)

caverna ou dar cara à brisa?
os brincos de princesa pendem
são colhidos pela retro-escavadeira
confundidos com lixo-veneno que se expande
(palavras desmoronadas)

pássaros e gatos voláteis
um mundo desumano pleno de
profunda tensão
lâmina língua laços e aragem
(palavras desesperadas)

carnaval de açúcar no canavial
balança ao vento a plantação
e no balanço da exportação
espessa escuridão

no atravessar do dia
ar, ar, ar e ainda mais ar
e o agridoce fio a tecer,
(palavras exasperadas)
trêmulo como um desenho
escapa para o profundo das idéias

* * *

uma cidade me queima a alma uma cidade me prende me cheira me bate me vira a cara me repele porque é gorda (grassa) vermelha (rossa) e culta (dotta) e ainda capital da musica arpejos solfejos sustenidos bemóis falanges falanginhas falangetas caminho na ponta dos pés bailarina sem sapatilhas flutuo entre suas cores terrosas e ocres entre seus pórticos e colunas, às vezes pórticos e colunas me pesam n’ alma. Arqueologias, visões, transfigurações modernas. De que adiantam a gastronomia e a riqueza, as idéias de esquerda e a universidade antiqüíssima? Grafites vândalos emporcalham tua paisagem, pedintes pelas ruas, laureados sem trabalho, imigrantes explorados, assaltos, escritórios burocratizados. Cidade esférica, mapa redondo, circundam as ruínas do muro medieval, “portas” de majestade, construções medievais. Expressão artística e linguagem. Complexidade, voragem, vertigem, veludo pedra teia de aranha, ruas estreitas, fios, ângulos, cicatriz vazia, uma cidade que suspira, solitária. Indolente. Apesar dos trens, ônibus e aviões.


cidade que não compreende, plena de imagens, venal faz mal, mensagens em contradição, não adianta escavar que a criatividade evapora, kitsch, sob o manto das tradições, te desvendei, cidade. Todavia és ainda cheia de mistérios. Um dragão de palha e areia, quero descobrir teu coração, se o tiveres. Teus detalhes singulares. Sob a pele, subterrâneos, trevas, ruínas, belezas de uma recôndita antiguidade.


uma cidade me engolfa, fascina, amarga e agridoce, me desestabiliza e redesenha a identidade. Sibila em meus ouvidos e me conduz pela mão. O fio de minha vida e as ruas de meus passos. Uma cidade coagulada, pingo e nó de mercúrio no centro norte do pais. Viajora. Me faz poeta. Não habito nesta cidade.

berenice sica lamas maio/junho 08

2 comentários:

MARILICE COSTI disse...

Berê. Você me fez colar, coagular, caminhar pela cidade dentro de tua alma e me ver/sentir/compartilhar longe e perto de ti nesse olhar cidade italiana que me cola e que nunca vi passar. Mas que não morro sem ver.
Me identifico com tua escrita e é como se estivesses aqui tão perto e ao mesmo tão longe. Bendigo diariamente o tempo de viver hoje internauta, ensurdecedor, encantador, de mais letras que no ontem, aglutinador mesmo às distâncias.
Semana do amigo e eu dentro de ti e dentro de uma cidade.
Um beijo carinhoso e amigo.

adriana vignoli disse...

bela poesia