ralo
sente
o ralo da pia
o rolar da chuva
todo santo dia
da semana
em toda alma humana
o pio
dum maná
sente
doce
um doce na mesa
duas idéias a vagar
só
ninguém sabe
o sabor a pagar
Retrato
Tristão
ao ver a foto dela acesa
estampada num brochado
destampou as lágrimas
chorou corou orou jorrou
jorrou dez tonéis
chorou cem vasos
corou mil couros
orou milhões de gotas
do mais puro decanto
de cantos de alegria
e hinários de tristeza
e ela
ali alocada
no retrato exposto
esposando como novo
aquele velho papel mocho
isso sim o entristeceu
mas não seu broche
que mesmo espetando
o abrochado dormido
sentiu ser menos tristonho
do que a ver deslocada
numa folha bisonha
(poemas de Paulo Ribas)
***
pôr-do-sol
a lâmpada do destino acende
transforma as nuvens de ontem em acaso
a razão ratifica o sentido do tempo
contornando de lápis o espaço inanimado
não encontraremos nossa espontaneidade perdida na névoa
nem um lapso de ceticismo escapará no horizonte
esotérica
nesta carne bruta
que nasce o mato do deserto
sentou um duende
que me contou histórias eróticas
cheias de bravura
apesar de seu tamanho
vergonhoso e frágil
o pensador
pedaços do universo
numa latitude nunca antes entrelaçada
têm algo de patético
intrínseco na natureza burra
às vezes entro em harmonia com toda a voz
que sai da garganta
e morre no ar
(poemas de João Pedro Wapler)
***
V
uma árvore tingida de vermelho
um casarão de pedra
o verde que disfarça o precipício
que margeia o rio
que serpenteia no vale
o mesmo rio que não pretende
apenas segue
para misturar-se ao outro
desaguar-se no outro
trocar-se
transcendência do individual
triste sina a das gentes
que não coisas
mas viventes
passam por sua aqui permanência
a ignorar
o propósito de existir
com sentimento
de rio
VI
ossos e veias
pele e entranhas
a voz que corta
peças de um quebra-cabeça
que não mais se encaixam
demônios guardados em
jaulas de algodão
quanto pode durar
a solidão que ronda nosso canteiro
quando a casa toda vira um imenso
corredor?
ficam notas que não encontram concerto
a fragilidade que toca
quando o melhor não foi suficiente
as chamas queimam somente quando
alimentadas
peco minha essência
com sede e fome
enlouqueço pedras limos e musgos
aves balanço
imaginando alturas
cuspo o sangue do meu fracasso
pela desistência
VII
o cheiro das panelas no fogão
convida
e com licença invade a casa
ao redor da mesa
delicadamente vestida
com a coberta do casamento
acomodam-se três gerações
entre histórias lembranças
e paradas maneiras
o barulho dos talheres
embala o riso
sobremesa do coração
almoço de domingo:
alimenta convivências
engordando vínculos
(poemas de Deisi Beier)
***
1-
dentro da escola,
revolver.
revolvo o vidro da infância,
balas , bolitas,
cores disparadas
à esmo
a memória explode
no raspão
estilhaçando a crença
2-
o tempo que passo na cozinha
preparo palavras
tendo algum trabalho
em esquartejar os dedos
enquanto dedilho idéias
arrancando a pele
fisgo substantivos
abstraio moquecas
dendês e adjetivos
todo o provérbio é gustativo
papilas unidas
cimentam papoulas
que no molho
( abduzidas palavras )
polvilham estrelas
3-
procurei poemas no opúsculo professoral
as palavras pairavam
penas pequenas sem ter onde pousar
abri a folha branca
e nada
botei a mão
em concha
andorinha voou
abri o peito
redemoinho de pó
se encaixaram todos
(poemas de Isolde Bosak)
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