
domingo, 29 de junho de 2008
Sextina de Erika Almeida
Do amontoado arremessa a pedra
Cria neste instante o abismo do jogo
Saída de emergência escorregadia como o musgo
No patíbulo o destino sem nenhum arrependimento
Páginas em branco afogadas no mar
Transpondo altas espumas desse mar
Trança ensurdecida nas ondas da vida
Gemidos se agarrando na borda do musgo
Fugindo, fugindo das regras do jogo
Impossível amarrar o laço à pedra
Como desarmar o temor, o arrependimento?
Da sina dos que ficam brota o arrependimento
A algema das algas pesa como pedra
Resistir a esta força não tão visível é o jogo
Deportar a razão, tornar-se musgo
Deixar-se a deriva, sem ser vencido, é vida
Enquanto contempla o destino dança no mar
quarta-feira, 18 de junho de 2008
Receita
concentre idéias
formule frases
divida em palavras
um infinito qualitativo
[ é a chave]
sirva-se de sinônimos
fala igual
mas diferente
acrescente metáforas
(se precisar entre parentes)
fica lindo
raciocínio ao quadrado
não se perde em cantos
subtraia fatores
simplifique
o resto é poema.
Sinara Marques
domingo, 15 de junho de 2008
Sobre Renga

A composição de haicai como é praticada hoje, é resultante do “haicai do renga” (ou tanka), muito usada antes de Bashô. Era um poema coletivo, em que um poeta compunha a primeira estrofe (hokku), um terceto com 5-7-5 sílabas (ou sons). Em seguida, outro poeta compunha a segunda estrofe, um dístico de 7-7 sílabas (ou sons). Assim cada poeta que chegava escrevia um dístico de 7-7 sílabas, após um (hokku), atingindo a centenas. Levavam anos para completar o poema. Bashô, século XVII, fez escola e consolidou o haicai, essa poesia essencialmente sintética muito popular no Japão.
Renga
mundo mal vazando-se
doce-terno
vem
clara ânsia
válvula de escape
compulsão em doses enfáticas
estratagema
de fastio
inexistente
duas faces
sopro cósmico
de fecunda felicidade
Tédio
jaula de ar
barco preso na calmaria
Arrebentação em nós
resquícios de um tempo
nas pedras do cais
casca do tempo
azoto de ovo cru
Grão ducado do castelo do pântano
sábado, 14 de junho de 2008
2 POEMAS RECENTES DE ANGELA WARLET
ROLANDO
Frágil âncora de ossos e sofrimento
dobrada em tristes raízes
pequena pedra,coisa pensante
fragmento de um tempo
vivo de um sonho
Na nave mágica
Universo a desvendar
relevos,praias distantes
sutil forma
Tudo tão fulgurante
imenso mundo
na úmida areia
no limiar de um cais.
( angela warlet )
SEMPRE
Nunca te senti inteira
desde que nasci procuro-te
tempo, vida
matiz de dentro
Tua garra
desfolhando os dias
tecendo passos de sonhos
alvorecendo ilusão
Esperança
minha, tua
ponta dos dedos,pulsão
A rasura do texto
coagulada emoção
vestida em capuz de cego
até quando?
( angela warlet )
quinta-feira, 12 de junho de 2008
4 poemas de berenice sica lamas

tratado
ao contrario da pesantezza, a leggerezza
a tênue suave leggerezza
a rarefeita vaporosa leggerezza
o colibri trêmulo no ar
a pluma desenhando palavras
o grão de areia que escapa na ampulheta
Calvino pensa o profundo das idéias
a gota borrifa o patamar da janela
o vapor se desprende do café quente
a musselina envolve a pele o corpo
a pétala tombando na terra
a neve sobre os campos
a bailarina salta música acima
a migalha teimando em não cair do lábio
o exalar do suspiro e sua dor
o tremor concêntrico n’água à beira do lago
o aroma do cravo branco gotejando à brisa
abelha e corola em estado de pólen
a literatura exsuda na página
ler leggere leggerezza o ato da leitura
contido na leveza (mas somente no italiano)
forte leveza, leve e pesada
leggere com lentezza puntuale
calas em minhas palavras
il silenzio può essere leggero
o pesante
* * *
peixe de cera derretida
amolecida
maleável aos dedos
peixes de cera
água pelo pescoço
força das ondas
corpos de cera
peixes de cera
esculpidos a dedo a ossos
de joelhos
delicadeza de um peixe de cera
desamparado
mas emplumado
guelras escamas
olhinhos esbugalhados
tudo bordado em cera cor bordô escuro
festas ruas e corpos
muros coágulos de névoa
gatos fumaça caras
despedaços de mim
e esse peixe de cera,
sempre
um peixe em estado de dissolução
* * *
homens sólidos e frágeis
débeis e densas mulheres
suor salgado dos trabalhadores
(palavras despencadas)
caverna ou dar cara à brisa?
os brincos de princesa pendem
são colhidos pela retro-escavadeira
confundidos com lixo-veneno que se expande
(palavras desmoronadas)
pássaros e gatos voláteis
um mundo desumano pleno de
profunda tensão
lâmina língua laços e aragem
(palavras desesperadas)
carnaval de açúcar no canavial
balança ao vento a plantação
e no balanço da exportação
espessa escuridão
no atravessar do dia
ar, ar, ar e ainda mais ar
e o agridoce fio a tecer,
(palavras exasperadas)
trêmulo como um desenho
escapa para o profundo das idéias
* * *
uma cidade me queima a alma uma cidade me prende me cheira me bate me vira a cara me repele porque é gorda (grassa) vermelha (rossa) e culta (dotta) e ainda capital da musica arpejos solfejos sustenidos bemóis falanges falanginhas falangetas caminho na ponta dos pés bailarina sem sapatilhas flutuo entre suas cores terrosas e ocres entre seus pórticos e colunas, às vezes pórticos e colunas me pesam n’ alma. Arqueologias, visões, transfigurações modernas. De que adiantam a gastronomia e a riqueza, as idéias de esquerda e a universidade antiqüíssima? Grafites vândalos emporcalham tua paisagem, pedintes pelas ruas, laureados sem trabalho, imigrantes explorados, assaltos, escritórios burocratizados. Cidade esférica, mapa redondo, circundam as ruínas do muro medieval, “portas” de majestade, construções medievais. Expressão artística e linguagem. Complexidade, voragem, vertigem, veludo pedra teia de aranha, ruas estreitas, fios, ângulos, cicatriz vazia, uma cidade que suspira, solitária. Indolente. Apesar dos trens, ônibus e aviões.
cidade que não compreende, plena de imagens, venal faz mal, mensagens em contradição, não adianta escavar que a criatividade evapora, kitsch, sob o manto das tradições, te desvendei, cidade. Todavia és ainda cheia de mistérios. Um dragão de palha e areia, quero descobrir teu coração, se o tiveres. Teus detalhes singulares. Sob a pele, subterrâneos, trevas, ruínas, belezas de uma recôndita antiguidade.
uma cidade me engolfa, fascina, amarga e agridoce, me desestabiliza e redesenha a identidade. Sibila em meus ouvidos e me conduz pela mão. O fio de minha vida e as ruas de meus passos. Uma cidade coagulada, pingo e nó de mercúrio no centro norte do pais. Viajora. Me faz poeta. Não habito nesta cidade.
berenice sica lamas maio/junho 08
quarta-feira, 11 de junho de 2008
ESSÊNCIA
Sinto no ar um perfume
que me devolve a infância
refletindo na alma a menina de outrora
o gosto cheiroso do café moído da antiga fábrica
percorrendo o ar em movimento
Espalhando o aroma em deliciosa bruma
por toda a cidade...
nas papilas,na língua a sensação de prazer
deleite de um tempo adormecido
O regresso à escola,amigos,colegas,professores
aquele entusiasmo com a merendeira
o uniforme,o sapato e a pasta
exalando o cheiro de couro e caderno novo
o estojo com lápis coloridos...
Que delicia este mundo
de tantas sensações ,aromas e cores
o prazer de misturar as tintas
pintar ou simplesmente sujar os dedos
escrever um nome ,riscar, rabiscar
Brincadeiras singelas
devolvendo o sentido à vida
prenúncio de uma nova estação
como a folha de outono a voar pelo jardim
tempo que fluía a vida
Oscilação de outrora flutuando nas tardes
nas noites tecendo sonhos
ao alvorecer suavizando os traços
gris e tristes da próxima estação.
(Angela Warlet)
terça-feira, 10 de junho de 2008
RESQUÍCIO
cá dentro a correnteza
rio intumescendo as veias
pulsando a cada segundo
Descompassada emoção
vazante na alma
liquefazendo o instante
alucinação
Memória da pele
maresia
ar de sargaço
absorvendo a dor
Na imprecisão do momento
ondulações de um tempo
quebrando a rocha da saudade.
( Ângela Warlet )
CÁLICE II
Esse frêmito
impulso
labareda na relva escura
irradia-se em nuvens
na estrada sinuosa de meu corpo
Cristalino sentimento
transborda no cálice
o gosto
exalando o aroma
Pactuo com as horas
eternizando o momento
fusão
ao roçar da chama em teu cerne
Botão
seiva fluindo
irrigando
este solo arável em nós
Simbiose de desejo
transpondo estações
a centelha
marca lavrada
amor.
(Ângela Warlet )